Pegou um caderno e um lápis e sentou-se em sua escrivaninha. Olhou para o papel. Balançou a caneta entre os dedos indicador e médio. "Isso é mania de baterista" - Um dia a disseram no colégio. Que fosse. A acalmava. Fitou a folha por alguns instantes, e não sabia o que escrever. Lembrou que aquele caderno seu pai a dera há uns 2 anos atrás, quando ela começara a faculdade. Nunca teve coragem de levar o caderno pra aula. Era bem infantil. Acho que era essa a imagem que seu pai tinha, e que sempre teria: que ela seria uma enterna criança. Pais. Só mudam de endereço. Talvez devesse escrever para ele. Sim, ele sempre fora o ponto alto da sua vida, o homem que mais amara e que mais a amou na vida. Talvez o único. Que fosse o único. Ele sempre a apoiou em tudo na sua vida, mesmo nas coisas que suas mãe diziam inúteis, ele estava lá, dando o clássico tapinha nas costas e as célebres palavras de incentivo. Só conseguiu escrever umas 2 frases, mesmo assim muito pouco à altura do que ele realmente significava. Arrancou a folha do caderno, fez uma bolinha e tentou jogar no cesto. A bola quicou na borda e caiu no chão. Levantou para pegá-la, se sentiu um pouco tonta. Preferiu sentar-se de novo. Desde que descobrira sua doença, parece que os sintomas pioraram. Uma amiga uma vez a dissera que "quando a gente descobre que tá doente, os sintomas se sentem com menos peso de consciência de nos afetar". Talvez não fossem palavras tão sábias, mas que ela tinha razão, ah, isso ela tinha. Olhou para a folha nova, tentando se concentrar. Os desenhos já lhe eram mais familiares, já se identificara com as cores e formas, já pegara gosto por aquele papelzinho tão meigo e rosa, totalmente diferente dela, que sempre fora um tanto rude e muio pálida. Novamente chegara ao ponto zero. Sobre o quê escrever? Para quem escrever? Seu namorado? Aquele que a abandonou, por que não tinha forças o suficiente para a acompanhar nessa "fase difícil da vida dela"? Nunca aceitou um término tão mesquinho e egoísta. Sempre ouvira dizer que o ser-humano é assim. Sempre fora instruída a não confiar na pessoas. "Ninguém nesse mundo presta". Ouvira sua mãe dizer inúmeras vezes. E ela tinha razão. Podia ser uma fase, ou delírio da doença, mas Ana se sentia assim. Traída, mal-amada, sem um porto seguro onde pudesse aportar seu coração, sua alma, seu desejos, anseios, medo e dúvidas. A vida a traiu, lhe dando o fardo de uma doença incurável, que consumia seu corpo, que degenerava sua alma. Seus amores sempre a traíram. Não que fosse culpa deles, talvez ela depositasse confiança demais. Mas qual o sentido de estar com alguém e não poder confiar-se à ela? Por que não querer estar-se preso? Por que se segurar o tempo todo para não sonhar, para não dizer o que sente, para mostrar uma coisa que não é o que você quer realmente mostrar? Nunca gostou de joguinhos, mas sempre os fez, por peceber que isso era necessário. Homens. Mas até um bom jogador um dia cansa. E ela estava cansada disso tudo, estava cansada de tentar ser o que ela não era.
Amigos. Talvez a única coisa que tivera com sinceridade. Mas o irônico é que nunca pôde estar, conviver com esses amigos que eram tão importantes na vida dela. Nunca pôde dar um abraço no momento que precisou, nunca pôde ter as lágrimas secadas pela blusa, pela mão de um deles. Sempre ficou no nunca nas suas amizades. E sempre se fez de forte por isso. Sempre pareceu orgulhosa demais para ter fraquezas. Mas ela as tinha. Talvez mais do que o normal, mais do que pensavam. E isso pesava. Pesava não poder dividir isso com alguém. Pesava viver dessa forma. O personagem que criara para si era um fardo, era uma máscara tão bem feita, que sabia que quando tirasse seria tarde demais. Já não mais saberia o que era verdade e o que era teatro.
Ana chorou. Chorou por tudo que não viveu nessa vida. Por tudo que não poderia mais viver, que queria viver mas não tinha mais tempo. Chorou pelos disperdícios, pelas palavras não faladas [ou digitadas], pelos nãos que tanto ouvira e os que tanto dissera, pelos sentimentos que tanto se segurara para não sentir, pelas pessoas que ela nunca pôde dizer o quão importante foram na sua vida. Chorou por si própria. "Auto-piedade é a pior doença" dizia uma música. Mas doença por doença, ela preferia ficar com essa.
Agora ali, em meio à lagrimas, frio, solidão, dor, Ana esquece o papel na sua frente. O Lápis cai de sua mão, sua cabeça pesa, e a vista vai ficando escura. Seu rosto enconsta naquele papel, agora banhado de lágrimas, e os desenho manchados, pareciam criar novas cores, novas formas. Ana ri. Sabe que não vai mais conseguir escrever nada. Fecha os olhos, e respira fundo seu último fôlego, desperdiçado num pedaço de papel em branco, agora manchado.
E a única coisa que sobra de sua despedida, é aquela bolinha de papel, meio amassada, na qual, com ajuda da luz amarela de seu quarto, qualquer um poderia ler a frase:
"Pai, eu amo você. Obrigada."
Está proibida de me fazer chorar com um texto como esse outra vez, ok? Não quero técnica, não quero refinamento estético, não quero nada disso pra falar desse texto. Ele me fez arrepiar e ficar com os olhos cheios d'agua. Isso não é suficiente?
ResponderExcluir["Pai, eu amo você. Obrigada." Quisera eu ter tido a chance de Ana. Seria a bolinha de papel mais preciosa da minha vida.]
ai ai, cada vez mais intelectual, um dia ce pega uma cadeira na ABL...
ResponderExcluirdemais tudo o que vem de você.
Está proibida de me fazer chorar com um texto como esse outra vez, ok?
ResponderExcluirQue coisa linda, amiga.
Assim, eu, EMOtiva como você. Sempre me comovo com seus lindos textos sentimentais. Mas, cara... Esse registrou muitas coisas que já conversamos, que eu penso, que você pensa, que nós sentimos, enfim.
É aquela coisa da tradução que já te falei. 'Você consegue traduzir os sentimentos.' Eu, no máximo, com extremo esforço, os complico. Você, escrevendo um texto, diz mais sobre si que qualquer um conseguiria. É gostoso demais de ler, causa empatia em cada linha.
É lindo, enfim, é lindo.
Amo-te.