sábado, 26 de outubro de 2019

Fragmentos


Acho que gostava mais quando eu chorava. As lágrimas desciam pelas minhas bochechas e, com o tempo evaporavam, como se evaporassem junto com elas minhas confusões, minha dor, meus complexos. Hoje eu deveria ter chorado, eu deveria ter desabado minhas frustrações e medos. Mas não encontro mais minhas lágrimas. Meu rio interno secou, mas sem criar vida, sem ter a chance de fazer florescer qualquer flor ou fruto à sua margem. O que crescia dentro de mim era o próprio Estige, carregando corpos falecidos e almas estilhaçadas, fragmentos de mim mesma e do que deixei que fizessem comigo. Por fora me sinto a pessoa mais normal do mundo: um rosto simples, sem beleza ou atrativo, mas não muito ruim de se olhar. Por dentro, sou o próprio monstro que Frankenstein criou, mas dessa vez sem criador a admirar. Meu espelho interno – estilhaçado - me mostra um quebra-cabeças perverso. Minhas esperanças vinham do lado exterior, de um fabuloso mundo que criei junto a alguém. Era meu refúgio, para onde eu escapava nos momentos mais sombrios de mim mesma. Hoje esse mundo desmoronou, levando meu último fio de fé e me fazendo abrir os olhos para toda aquela ilusão. No final sobramos apenas eu e meus estilhaços, que deixo guardados aqui dentro, para não ferir ninguém.

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Eu só queria escrever para você, Elisama.


Antes eu tinha pena de mim ‘’pobrezinha, nem a mãe dela a ama, porque alguém amaria?’’. E aí é que está: o que é o amor? Sério. Admiração? Respeito? Sexo? Eu acho que minhas experiências me fizeram reconhecer o que não é o amor. O não-amor tem a cara do egoísmo, tem a rosto do menosprezo, ele te coloca para baixo de todas as formas possíveis. Ele diz coisas que sabe que vão te magoar e degusta isso como se degusta um vinho caro. O não-amor também te faz mudar a forma como você se olha no espelho. Um dia você é apenas você, depois existe uma sombra apontando todos os seus defeitos e dizendo que não vale a pena tentar mudar, porque o não-amor é mais forte que qualquer palavra positiva. O não-amor te faz acreditar que não adianta tentar se apreciar, porque tem nada lá para ser admirado. Ele te coloca em último lugar, no ultimo pensamento do dia, isso quando ele tem tempo de pensar em você. Sim, o não-amor tem sua personificação. E muitas vezes convivemos diariamente com ele, somos amigos dele e até casamos com alguns por aí. É fácil falar sobre amor próprio, mas olha bem dentro de si, existe amor suficiente para você aíNem todo dia vai ter. Se você achou que esse seria um texto de autoajuda, me desculpe não o decepcionar. Me deixe ser clichê, eu gostaria sim de deixar uma mensagem: Ninguém deveria ter o poder de te situar em um lugar ao qual você não pertence. Cada um sabe seus defeitos e seus valores, e ninguém é igual a ninguém. A gente não vai se amar todos os dias, mas também não precisamos viver sempre em guerra dentro de nós. Já temos guerras suficientes para combater todos os dias. Você fez o seu melhor para chegar até aqui com os recursos que tinha. Não jogue esse progresso fora. Liberte-se. Beleza e inteligência são conceitos subjetivos. Não caia nessa. 

domingo, 11 de agosto de 2019

Centelha

De repente, como a queda de um raio que atinge um corpo, criando uma nitescência tão forte, capaz de fazer a noite parecer dia por segundos, aquela lembrança me veio e atingiu cada célula do meu corpo: um ano. 
Na época havia chuva em mim. Por fora e por dentro. Eu estava perdida - literalmente. O salgado quente de minhas lágrimas se confundia com o doce daqueles chuvisco finos e gelados. Não sabia onde estava, nem como chegar, mas já estava acostumada a essa sensação desde que você havia partido. Tropecei, mas mantive firme a perna hesitante. Um longo caminho me aguardava. E era ladeira abaixo. Eu não podia mais contar com sua ajuda. Eu não tinha mais você. E estava ali para matar o único resquício de vida referente ao que restou de nós. Éramos o próprio monstro de Frankenstein, cheios de Sentimentos confusos, remendados, costurados com suor e fios de sangue, que tiramos do que nos restou de uma breve vida conjugal. Era minha sentença e minha libertação. As mãos trêmulas não podiam acreditar no que os olhos liam. Como um acordo frio e sem vantagens, a caneta verteu suas cansadas gotas de tinta. Letras e mais letras sem sentido ainda dançavam ali na minha frente, lembrando toda nossa incapacidade de manter o que construímos. Tudo que nos resta agora é apenas um pedaço de papel, esperando pelo desgaste do tempo. São lembranças, que vão ficando cada vez mais turvas e perdidas na memória do que um dia foi um grande amor.