terça-feira, 19 de julho de 2016

Do sabão ao pó

- Puta que pariu! Puta que PARIU! – O barulho do carro ficou mais alto e explodiu em um estrondo.
- Mai que diabéisso? Olha essa boca, Fabiano! – Dona Zefa, agarrada às sacolas de compras olhava para o rapaz com os olhos arregalados.
- Ah, mãe, mas que merda! Saporra vai inventar de quebrar justo agora!
Na avenida, carros e carros passavam deixando seus ZUNS e rajadas de ventos poluídos no ar.
- Mai meu filho, precisa falar nome desse jeito? Que coisa mai feia!
- A senhora não ta entendendo a gravidade da coisa.
- Ué, o carro parou. Dê seu jeito e ligue de novo.
“Ah, claro. Fácil assim.” Há semanas que o motor estava capengando e sabia que deveria ter passado no seu Severo para verificar. “Aquele velho careiro do caralho”. A  economia ia era custar caro.
- Logo hoje que eu tô na escala pra dobrar lá na firma!
- E essa joça deu o prego mêmo?
- É, parece que sim.
Ao abrir o capô, uma fumaça densa e quente saiu de dentro, queimando de leve o rosto de Fabiano.
- Ai cacete! Filho da puta!
- Que danação é essa, Fabiano? - Dona Zefa só esticava o pequeno pescoço pra tentar ver, mas não desgrudava das sacolas, como se alguém a qualquer momento fosse roubar seus preciosos pertences.
- Nada, mãe! Fica aí que eu vou resolver isso!
- Ah, claro... Vai ver se esse maluvido vai mêmo resolver essa paia...
- Que foi?
- Nada, meu filho. Continue sua procissão aí!
- Velha irritante...
- Que foi, Fabiano? Falou comigo?
- O buraco no motor ta gigante!
Desde que Fabiano largou sua ex e voltou pra casa de sua mãe que as coisas andavam assim, estranhas entre eles. Sua mãe parecia estar escondendo algo, e sempre pedindo para leva-la à lugares estranhos, e quando levava, pedia para esperar na esquina ou adjacências e depois voltava agarrada às sacolas de suas encomendas. Trocavam farpas, como em toda relação normal de mãe-filho, mas sentia que a hostilidade da senhora com relação ao seu novo hóspede estava mais forte que o normal. Não gostava de se meter na vida da mãe, mas achava estranho demais o movimento que acontecia na casa dela. Sempre tinha alguma figura chamando na porta e ela sempre saia com umas pequenas quentinhas enroladas em um plástico pra entregar. Nunca pensei que comida daria dinheiro assim, mas dava pra perceber que dona Zefa estava prosperando em seus negócios. Arrumou a casa toda, trocou piso, fez parede e até um terraço onde acontecia mensalmente churrasco para os amigos. Sempre que questionava a senhora sobre a procedência do dinheiro, a velha ficava invasiva e sempre desconversava.
Colocou o triangulo para sinalizar e ligou para o reboque. Chegariam em 40 minutos.
- Agora é só esperar.
- E vamo esperar aqui nessa quentura? Capaz de vir um safado qualquer e levar minhas coisa.
- Mãe, a gente tá em uma via expressa. Só tem carro passando, acha mesmo que alguém vai parar só pra roubar a gente? E se roubar também, vai levar o quê? Tenho 5 reais na carteira e o carro não tem nem radio pra salvar.
-  Ai, Fabiano... Minhas encumenda!
- E o que que tem demais aí, afinal? – Falou já esticando o braço para abrir a sacola.
- Ta ca peste, mininu? Arreda!
- Mãe, o que é isso? – Na tentativa de ver o que era, um pedaço denso de alguma coisa, em formato quadrado e enrolado em uma fita marrom caiu no chão do carro.
- Arre, Fabiano! Me deixe!
- Isso é droga?
- Que droga o quê, abestado! É sabão de louça!
- Sabão de louça, mãe? Pra cima de mim?
- Ôxe! Mai é sim! Eu compro de Inês e de Rita toda semana pra revender la no bairro. Elas vendem faz tempo também. O povo parece que gosta da coisa mêmo. – a velha parecia sincera.
- A senhora realmente acha que isso é sabão de louça? Já abriu um pra experimentar?
- Assim, abrir eu não abri não. Mai seu Rube da venda diz que não porfissional usar suas próprias mercadorias. Mas ele diz que é bom, compra quase que de 2 em 2 dia...
- Não, mãe! Você ta traficando droga sem nem saber?
- Que droga o quê, mininu! Pare de frescagi!
- Então me deixa abrir um pra ver!
- Mai num...
Sem esperar a resposta, o rapaz abriu um pacote marrom daqueles e a fumaça de um pó branco se espalhou pelo carro, os fazendo tossir bastante.
- Mãe, você ta louca?
A velha começou a chorar. Há tempos Fabiano não a via frágil daquele jeito. A mulher carrancuda cangaceira se desfez junto com a fumaça branca que estava ali.
- Nem Santo Antonho com gancho me salva, meu filho! To fazendo essa desgraceira com a vida dos ôto e tava ganhando tanto diêro que nem quis saber a procidência desse diacho! Eu mereço é cadeia mêmo, to estragano as famía!
Fabiano sentiu um dó profundo pela velha.
- Mas você não sabia o que estava fazendo...
- Mai devia saber! Vou junir essa coisa daqui da ponte é agora!
- Calma, mãe! Deixa eu olhar isso de novo. – Enfiou o dedo no malote e cheirou. Depois deu uma lambida de leve e riu para ela.
- Ta me frescando, Fabiano?
- Não, só to achando engraçado porque isso aqui ta parecendo Sapolium. É sabão de louça mesmo.
- Crendeuspai, sério?
- Uhum.
- Graças a nossa senhora! Num vou mai pro inferno!
- Pois é. – o rapaz continuou lambendo o pó. – Mas faz só um favor pra mim? Liga pra ambulância que meu coração ta disparado.
- Ai, Jesus! O que tu tem, Fabiano?

- Nada, acho que é só emoção mesmo.


Conto publicado no Livro 164-Circular, organizado pela Claudia Chigres para a editora Texto e Território (tô chique, bem!)