terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Psicose


“...em síntese, Medusa simboliza a imagem 

deformada, que petrifica pelo horror, em lugar de 

esclarecer com equidade. ”

(Junito Brandão)



Em dias como este não dá para dormir. Dias em que sanidade é posta em cheque  e a psicose parece tomar conta não só da minha mente, mas do meu corpo e da minha  alma. Parece piti de madame, podem chamar como quiserem, mas é tão real como a certeza de que o Sol vai nascer daqui a umas horas.  Serpente. Tenho sonhado com ela todas as noites, quando consigo dormir. Ainda sinto sua pele escamosa e gélida dançando, começando pelos pés, passeando então por recônditos do meu corpo de uma forma como nunca algo ou alguém explorou. E por final se aninha em meu colo, como um rebento recém concebido almeja pelo carinho maternal. Nessa hora, quando me entrego àquele gáudio momento, a serpente se transforma, levanta sua cabeça e mostra suas presas, revelando sua verdadeira intenção. Grito por socorro, sempre em vão. Aqui, nesta varanda, ainda não sei se estou completamente a salvo. 

ÉTUDOCOISADASUACABEÇASUALOUCA. Enquanto estou aqui, fitando o horizonte escuro iluminado apenas por pequenos pontinhos de luz aqui e acolá, minha mente parece funcionar a todo vapor. Não há pensamento que não passe por minha cabeça. Os piores do mundo.. SEJOGA. A luta psíquica travada com esse órgão tão confuso e inexplorado se intensifica quando as pequenas luzes enfim começam a se apagar. Uma por uma. Uma por uma. Uma. Me apego no pensamento que aquela última luz está ali por mim. PORVOCE?. Um lampejo de esperança acende em meu corpo, passando por minhas veias e bombeando por toda minha estrutura. ÉSÓAPORRADEUMALUZINHA. Devem ter esquecido acesa. Ou devem estar se despedindo para ir dormir. Deve haver uma mãe, deve haver um pai. E um filho, claro. Um filho. Ou uma filha, quem sabe. Podem estar contando uma história para a criança. Ela pode ter tido pesadelos, quem sabe com uma serpente. E ali a senhora Mãe está acariciando a cabeça dela enquanto o senhor Pai está procurando o suposto monstro embaixo da cama. Quando tudo parece enfim calmo, mamãe e papai sentam na cama, e dizem “papai e mamãe te... ALUZAPAGOUCALAESSABOCA. Não devia ser nada. A cidade dorme, o silêncio, e a gritaria em minha mente, me ensurdecendo.. Quando me transformei nisso? Lembro-me dos dias sem fim, rodeada de amigos e exalando uma beleza pueril de deixar qualquer babaca de queixo caído. ESSEERATEUPROBLEMA. Qualquer BABACA.

Ele não era babaca. Só era casado. Arrastei anos e dois filhos nessa novela mexicana. ELENÃOTEAMAVA. Eu o amava mais do que a mim mesma. Eu achava que o amor dele era o máximo que eu poderia ter. VOCENAOMERECIANEMISSO. Eu merecia mais. Mas a gente se contenta com migalhas. Um dia a louca chegou na minha casa, com aquele vidrinho na mão. Já sabia de tudo. OBABACATINHACONTADOCLARO. Foi quando tudo ficou tenso e escuro. Acordei com o rosto queimando como brasa, em um lugar frio e branco. Partes dos meus seios estavam em carne viva e eu só via meu reflexo no rosto de quem me visitava. A dor na feição deles doía em minha espinha dorsal, e a certeza de que nada seria como antes era latente. AQUELAFILHADAPUTA. Eu mereci. Foi pagamento dos meus pecados. Desde então, se me olhei no espelho duas vezes foi muito. Na primeira era como olhar a própria alma do tinhoso. Não conseguia acreditar que tinha me 
transformado naquilo. Sim, porque agora eu não era mais aquela de outrora, a vívida, a bela, ADESTRUIDORADECASAMENTOS. Olhar-me no espelho significava encarar a finitude, a feiura do fugaz, o irreversível estado de fim. E ele, OBABACA, sumiu sem deixar vestígios. E eu, que nunca aprendi com minha mãe a ser mãe, tive que ser mãe e pai. VOCELARGOUSEUSFILHOSCOMSUAIRMÃSUAESCROTA. Na verdade, eu deixei meus filhos com minha irmã e me mudei para longe, a fim de refazer a vida. E cá agora estou. Trabalho em um estoque de mercearia FEIADEMAISPRATRABALHARNOCAIXA, sem amigos ou chegados. Um ou outro tenta fazer amizade, mas cada vez que o olhar de pena e terror deles encontra as cicatrizes em meu rosto, eu fujo. ELESAGRADECEMAFUGA. 

O Sol começa a despontar no horizonte, sinal de que a vida continua. INFELIZMENTE. Acendo um cigarro e daqui, do alto da minha “torre”, espero que essa existência se consuma e meu tormento acabe de vez. De relance me olho refletida no vidro da porta. E petrifico.

2 comentários:

  1. Quando o amor tem viés de pecado.

    As luzes, as ideias, as convicções... Precisamos delas para levantar da cama e seguir em frente. O que fazer quando elas se apagam, e nada mais te sustenta? Te impulsiona?

    Resta apenas essa existência vazia de sentido que consome, e que espera-se que se auto consuma - o que não vai acontecer, claro - e que atormenta.

    Quem sabe um novo amor não seja um antídoto para esta Medusa?

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Agora já podem massacrar/elogiar/desdenhar.