quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O Herói boiadeiro


Conhecido por suas milhares de conquistas nos campos de batalha, nosso herói conquistou fama, dinheiro, mulheres e até mesmo homens em toda história de sua vida. Era conhecido como “Deus cabeludo”, por conta de suas madeixas, que se tornaram um símbolo de beleza e poder. Crianças em toda sua era fugiam do aço afiado das tesouras de suas criadas, para poderem - pelo menos em aparência - ser como seu herói. Mas seu tempo não fora outrora, em uma época mitológica muito distante não. Seu tempo foi logo ali, perto o suficiente para eu lembrar de tê-lo visto em suas lutas constantes com bois na arena perto de um sítio em que eu vivia com minha família. Sim, seu campo de batalha era a arena dos boiadeiros, onde dava seu show todo final de semana. Seu sonho era ser reconhecido em todo Brasil. Filho de Oxóssi e sabido do Catimbó, trazia em seu sangue o quente do sertão, e o cheiro de carne queimada pelo sol das grandes caminhadas que fazia, sempre tocando seu berrante para guiar o seu gado. Como quase todo herói sertanejo, teve sua infância sofrida, marcada pela fome e pela morte. Seu pai, uma galalau dado a jogos e mulheres, perdeu todo dinheiro da família e a vida em uma arenga de bar. Sua mãe e irmã eram tudo que nosso herói tinha em vida e era por elas que ele lutava. E como lutava! Quando entrava na arena, era como se ele se transformasse no próprio Caboclo Boiadeiro, dançando com uma coreografia intricada de passos rápidos e ágeis, que o fazia parecer um dançarino mímico, lidando bravamente com os bois. E assim sua fama só crescia em todo sertão.
Mas como dizia minha vó, “a fruta não cai longe da árvore”, e com o nosso herói boiadeiro não deu outra: nasceu com gosto pra bebida forte e um coração fraco para os assuntos do amor. Se desmantelou por uma cabrocha que já tinha dono e foi nela que seu coração se perdeu. Mas por conta do amor não correspondido da Pequena, o herói danou-se a beber e quase toda noite era encontrado pela estrada, caminho de sua fazenda, com o andar sonolento e olhar pesado – coisa de quem ama do jeito errado. E em uma dessas noites de tristeza alcoólica, o herói cambaleante foi até a fazenda da Tal que lhe roubara a sanidade, tomar satisfação pela ilusão que ele mesmo criara. Confuso e atordoado, se viu entrando em um pasto, onde deu de cara com o Touro chamado Pesadelo, conhecido por sua impiedade e força. Nosso herói então, se vê frente a frente com seu destino. Bêbado e à beira da morte, ele dá um grito de desespero, chamando por seu senhor Caboclo Boiadeiro, que lhe acudisse. Sob o som de um trovão, a entidade apareceu montada em um cavalo, vestido de cangaceiro e sorrindo, uma risada escarnecedora. O boi cai duro no chão e nosso herói, agonizante, olha para o espírito e não sabendo se pela bebida ou pela situação quase morte, vê o rosto de seu pai, sorrindo e zombado dele.
Não se teve mais notícias do Herói boiadeiro depois do ocorrido no sítio de Pequena, nem sobre o paradeiro de sua irmã e mãe. Há quem diga que foi pra cidade grande, tentar a vida junto com elas. Mas o grande fuxico foi que o Herói boiadeiro depois que matou o Touro Pesadelo à unha, fora chamado pelo próprio Oxóssi pra combater perigos do outro lado, tornando-se assim, padroeiro dos que combatem touro com as próprias mãos. 

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Minuto


Pedro acordou com uma leve sensação de vazio. Era como se todo peso de sua vida tivesse sido tirado de seus ombros. Levantou-se, respirou fundo, mas sem sentir muito bem o ar que inspirava. Andou até a janela e, apesar do Sol estar a pino, não sentiu o calor queimar sua pele.  Olhou para o relógio, quase caindo de cima do criado mudo: 12: 52.  O fato de estar atrasado para o trabalho não o incomodou desta vez. Sempre fora um empregado dedicado, até mais do que deveria. Hoje não sentia necessidade de ser. Voltando a olhar pela janela, percebeu algumas pessoas vestidas de preto, entrando e saindo de sua casa, algumas com um semblante calmo, outras com olhar sombrio e perdido. Apesar de sentir algo familiar nelas, não as reconhecia. Desceu as escadas quase como se estivesse flutuando. Passou por um relógio de parede redondo: 12: 52. Um burburinho no ar o deixa curioso. Quem são essas pessoas, e o que fazem na minha casa? Toby, seu cachorro, o olha e começa a uivar. Pedro se abaixa, chamando-o para um afago, mas como resposta recebe uivos mais frenéticos. Percebe então, que não se lembra de como chegara a sua casa. Alguns flashes do dia anterior passam pela sua cabeça. Lembra-se de ter acordado seis em ponto, como todos os dias, se arrumado e ido ao trabalho. No caminho havia parado para tomar o café na birosca onde há meses paquerava uma garçonete. Ah, Luiza. Santa Luiza que já tinha seu pedido decorado: pão na chapa e um pingado. Melhor forma de começar o dia: café com Luiza. Lembrou-se também que Paulo, seu assistente, o chamara pra almoçar fora, pois tinha algo importante para contar a Pedro. Depois de uma pesada conversa sobre o crescimento profissional de seu assistente e a chance de perdê-lo para a contabilidade de outra empresa, lembrou-se de sair do restaurante e atravessar a rua sem olhar pros lados. O relógio em seu pulso – presente de sua mãe – se espatifa pelo chão. 12: 52. Acorda daquelas lembranças e, atordoado, começa a procurar naquelas pessoas alguém conhecido que pudesse lhe dizer o que acontecera a ele. Enquanto caminha, procurando um rosto amigo, nem percebe que não estava mais passando entre as pessoas, mas por elas. Seu susto é enorme quando para e se vê parcialmente dentro de um homem, que se parecia muito com ele, só que mais velho. Sente um grito brotar em sua garganta, mas não há som. Olha para uma senhora que segura com carinho um relógio de pulso quebrado em sua mão. Aproxima-se e fica em paz. Sentindo uma luz penetrar todas as partes do seu corpo, o conduzindo para cima, olha mais uma vez para aquele objeto dourado. O ponteiro dos segundos se mexe preguiçosamente:  12: 53.