segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Mors.

“Nossa, eu só queria morrer”

Foi com essa frase corriqueira sobre algum assunto deveras adulto que congelei uma conversa em uma mesa de bar com amigas que não via há séculos. Estranhei como o clima ficou tão pesado de uma hora para a outra com uma simples frase proferida em meio a pessoas que eu considerava já conscientes do meu modo de pensar e agir. Mais estranho ainda foi perceber que talvez eu realmente fosse o único individuo naquela conversa que considerava realmente a morte uma opção. Deixei o assunto na mesa transformar-se em um grande esforço para me apresentar coisas boas da vida, inclusive tentaram me convencer quão ingrata e sem fé sou (!). Sobrou até para a recente falecida vó de alguma delas o encargo de dissuadir-me de ideia tão estapafúrdia. Deus a tenha.

Eu estava realmente sozinha nessa? Ninguém tem pensamentos constantes de que se a vida findasse neste instante, tudo seria muito mais fácil? Claro que não fazemos a menor ideia de se o que nos espera é bom ou ruim, mas o fato de pouquíssimos ou nenhum (dependendo da sua fé – ou da falta dela) terem voltado de lá é evidência suficiente que pior que aqui o outro lado não deve ser.

Na maioria das vezes é só o cansaço, entende? A apatia e indolência tão inerentes à vida adulta. Claro, talvez, se eu fosse abastada eu estaria me distraindo de uma forma muito mais apropriada aos meus desejos. Mas já somos grandinhos o suficiente para entender que vontade de viver não é diretamente proporcional ao seu estado financeiro, apesar de facilitar que nos entretenhamos e esqueçamos os dissabores de uma vida.

Talvez eu flerte demais com a morte. Talvez por saber que ela é o ápice de toda vivência, o apogeu em que todos vamos com toda certeza um dia chegar, eu tenha uma curiosidade enorme para já saber como ela se apresentaria para mim. Poderia ser como em um abrir e fechar de olhos e – bum – estamos à direita do Pai, vendo anjos voando por todos os lados. Ou eu poderia simplesmente fechar meus olhos e acordar chorando, fruto de um parto bem-sucedido. Talvez eu me torne poeira cósmica, viajando no tempo e espaço por toda a eternidade. Quem sabe a própria Dona Morte não me pegue pela sua mão e me leve pro Inferno, onde eu ouviria Tiago Iorc fazendo cover com Roberto Carlos em um lugar onde todo dia é Natal?

Ou talvez tudo apenas acabe. Finito.

Despertei do meu devaneio com um enorme copo de chopp batendo na mesa bem na minha frente. Elas ainda estavam engalfinhando-se e decidindo se eu estava depressiva, se ainda tomava regularmente meus remédios da bipolaridade ou se só queria chamar a atenção.

“Gente, eu tava brincando, poxa.”

Risadas nervosas seguidas do tilintar de nossos copos ecoaram pelo pequeno bar. Mas o alívio de não ter que resgatar alguém de um possível pensamento suicida ecoou ainda mais forte.