domingo, 11 de agosto de 2019

Centelha

De repente, como a queda de um raio que atinge um corpo, criando uma nitescência tão forte, capaz de fazer a noite parecer dia por segundos, aquela lembrança me veio e atingiu cada célula do meu corpo: um ano. 
Na época havia chuva em mim. Por fora e por dentro. Eu estava perdida - literalmente. O salgado quente de minhas lágrimas se confundia com o doce daqueles chuvisco finos e gelados. Não sabia onde estava, nem como chegar, mas já estava acostumada a essa sensação desde que você havia partido. Tropecei, mas mantive firme a perna hesitante. Um longo caminho me aguardava. E era ladeira abaixo. Eu não podia mais contar com sua ajuda. Eu não tinha mais você. E estava ali para matar o único resquício de vida referente ao que restou de nós. Éramos o próprio monstro de Frankenstein, cheios de Sentimentos confusos, remendados, costurados com suor e fios de sangue, que tiramos do que nos restou de uma breve vida conjugal. Era minha sentença e minha libertação. As mãos trêmulas não podiam acreditar no que os olhos liam. Como um acordo frio e sem vantagens, a caneta verteu suas cansadas gotas de tinta. Letras e mais letras sem sentido ainda dançavam ali na minha frente, lembrando toda nossa incapacidade de manter o que construímos. Tudo que nos resta agora é apenas um pedaço de papel, esperando pelo desgaste do tempo. São lembranças, que vão ficando cada vez mais turvas e perdidas na memória do que um dia foi um grande amor.