domingo, 15 de março de 2009

Encontro.

Uma abordagem óbvia, mas corajosa.
Sim, pelo tempo que ele estava me olhando, acharia estranho se ele deixasse isso passar despercebido.
- Oi, colega. Posso sentar aqui?
"Se já sentou, né?". Pensei. Mas não soltei uma palavra. Me dignei a ficar observando aquele ser.
- Você está sozinha?
"Não, eu tô sentada aqui há mais de 30 minutos com meu amigo imaginário, que por acaso você sentou em cima." Não respondi novamente. Peguei uma batata e dei uma golada na Coca-cola, já um tanto quente. Não que ele fosse obrigado a me conhecer, mas eu não estaria esperando alguém há tanto tempo. Meu máximo de espera é 10 minutos. Claro que eu estava sozinha. E estava bem com meus pensamentos e meu livro, até aquele momento.Ficou um silêncio. Deu pra sentir o nariz dele gelar com meu olhar (e que nariz feio o estranho tinha!).
- Bom, meu nome é Diogo, e o seu? - Dava pra sentir um pouco de insegurança na voz dele. Talvez eu sentisse pena. Mas não hoje.
Me surpreendi um pouco com a insistência e repondi quase sem voz:
- Luna.
Os olhos dele brilharam, ao ouvir as quatro letras. "Que cara patético" - foi só o que pude pensar.
- Que apelido legal! Tenho uma amiga que a gente a chama assim. O nome dela é Luciana.
- Não é um apelido, é meu nome mesmo, COLEGA.
Deixei bem claro o asco que tenho por esse tratamento. 'Colega'. Não sei por quê, mas ando sem paciência para esses flertes tão sem graça, descarados e nada originais dos homens de hoje em dia. Mas o ser à minha frente ignorou ou pareceu não ter reparado meu tom sarcástico ( o que poderia se esperar de um cara que usava blusa rosa com sapato creme?! Senso? Nunca.).
Ele continou:
- Então, eu tava te olhando de lá (apontou pro lugar que ele estivera sentado desde antes de eu chegar) e pensei: 'Nossa, que menina interessante!'. Achei que não deveria perder a oportunidade. Fiz mal?
O que eu poderia dizer? "Sim, com tanta mulher com mais cara de pré-disposta sexualmente você vem logo na que esta comendo o maior lanche, usando sapatos sem salto, óculos, rabo-de-cavalo, sem maquiagem e lendo 'Formação Econômica do Brasil? Você só pode ser um completo idiota." Mas comecei a simpatizar com algo nele. Não sei bem explicar o que era. Acho que foi o sorriso. Admito. Aquele idiota tinha uma arcada dentária perfeita e o rosto dele fazia covinha quando ria.
- Claro que não, Diogo. Me sinto lisonjeada. - Fui mais educada que simpática. Não queria -e não ia- dar o braço a torcer.
Outra batata. Outra golada.
- Não vou perguntar se você em sempre aqui, pois você não parece o tipo que frequenta esse lugar.
- Por que não? - Fiquei curiosa com a afirmação.
- Porque você não é gorda e nem parece aquele tipo de mulher solitária que despeja todas suas frustrações em fast-food.
- Sim, sou do tipo que resolve suas frustrações em frente à tv vendo filme romântico e comendo sorvete.
Ele riu, achei forçado.
- Você pode até ter frustrações, mas não as do tipo amorosas.
De onde ele tirou aquilo? Eu, que tinha acabado de sair de um relacionamento conturbado de 3 anos, com um fim digno de crime passional. O típico caso de ser trocada por uma mulher mais nova, mais fútil, burra e menos complicada. Sempre achei que os homens eram todos iguais e que esse tipo de coisa acontecia todo dia com alguma mulher no mundo. Mas algo dizia que comigo deveria ser diferente. Mas não foi.
- Você não sabe de nada. - Folheei uma página do capítulo 2, mas sem prestar muita atenção. Já tinha cansado de ler como a contribuição dos flamengos na expansão do mercado do açúcar na segunda metade do século XVI fora fator fundamental do êxito da colonização do Brasil.
- Mas deduzo muito bem. -Falou em tom baixo.
- Como?
- Faculdade? - Disse, ignorando minha pergunta e apontando para o livro que eu acabara de fechar e pôr em cima da mesa.
- Sim. - Disse pensando no que ele disse há alguns segundos. Quem dera ele tivesse deduzido certo e nada daquilo que passara essa semana toda tivesse acontecido.
- Que legal! faz o quê?
- História. E você? Está cursando alguma?
- Sim, faço Gestão de RH.
- Hm.
- Mas não sou o tipo cara chato/sem sal/idiota que você está pensando.
- E além de deduzir coisas mirabolantes você deu pra ler pensamentos?
- Na verdade não achei que você fosse pensar isso. Pelo menos eu não queria que pensasse.
Ok. Eu comecei a sentir pena do rapaz, mas eu não ia ser piedosa e tratá-lo bem só porque ele fez carinha de cachorro com fome. Todo homem faz isso. E sempre dá no que dá.
Achei melhor cortar de um jeito menos doloroso:
- Bom, foi um prazer, mas já está na minha hora. - Disse, pegando minha bolsa e levantando.
- É, tá meio tarde mesmo. Você pega ônibus aqui perto?
Sim, deu vontade de tê-lo como companhia, ainda mais nas ruas perigosas do Centro da Cidade.
- Tenho que andar um pouco, mas coisa de 15 minutos.
- Não vou te deixar ir sozinha. Permite? - Disse pegando minha bandeja e despejando os restos no lixo.
- Claro, por que não? - Foi um sorriso amarelo, mas o primeiro da noite.
Saímos, sem trocar palavra alguma. Eu não seria a primeira a dizer qualquer coisa àquele estranho que já nem era tão estranho assim. Àquela hora eu já havia me simpatizado até com o nariz dele. Me odiava por isso. Agora, em pé, dava pra reparar com o porte físico dele era bonito. Mas ainda me doía ver a blusa rosa e o sapato creme.
- Você mora perto?
- Sim. Uns 20 minutos.
- Hum, legal. Eu demoro quase 1 hora e meia pra chegar em casa, geralmente. É bom pra estudar, pelo menos.
- Sinto enjôo quando leio em ônibus.
- Mas também, nem dá pra ler muita coisa em 20 minutos, né? - Ele riu, mas de um jeito tão meigo que eu parei. Sabe aquela cenas típicas de desenhos japoneses, que o cara ri sem graça, põe a mão na nuca e cai uma gotinha do rosto? Foi mais ou menos assim.
- O que foi? - Disse ele, mudando o semblante para um ar mais preocupado.
- Não, nada. Te achei parecido com alguém, só isso. - E ri, e dessa vez foi meigo e verdadeiro.
Continuei a andar. E me acompanhou.
- Bom, Luna. Vou ser bem sincero com você. Já tinha te visto antes, não naquele fast-food. A gente estuda na mesma faculdade. Te vi no corredor um dia, conversando com uns amigos. Você parecia uma menininha despreocupada e sorridente. Achei a coisa mais meiga! Te achei tão fofa e bonitinha...hm...sexy ao mesmo tempo, Não sei explicar. Mas vejo que você não se parece muito com aquela menina que vi. Você parece tão segura de si, tão sarcástica, tão fria... Eu pareço bobo, lerdo, mas eu percebo quando alguém tenta me evitar. Por isso saiba que não estou mais tentando nada com você.
Por que ele disse aquilo?! Logo agora que eu tava me simpatizando com a cara dele? Como ele ousa desistir de mim assim, sem nem tentar direito? Que tipo de cara era aquele?
- A questão não é evitar, Diogo. Não passei por momentos muito bons essa semana.
-E foram momentos tão ruins que pessoas que tentam ser legais com você merecem pagar?
É, ele tinha razão. Ou não. Não sei, eu estava confusa. e ele não estava ajudando.
- Todo mundo tem momentos ruins, Luna. Imagine se todos descontassem nas pessoas à volta, nas pessoas que se importam e querem vê-las bem!
Do que ele estava falando, Deus? Ele me conheceu hoje, não pode ter tanto carinho assim por uma desconhecida. A verdade era que nunca um homem tinha sido tão sincero e real como ele estava sendo. Eu sempre vivi esperando o pior deles, e sempre o que recebia era isso mesmo. O pior. Por que eu estava aceitando um estranho falar assim comigo?
- Olha só, Diogo...
- Quer um doce? Peraí. Hei, moço! - Virou-se pro ambulante - Me dá dois serenatas.
- Mas...
- Pra adoçar um pouco sua vida. - E me oferecu o chocolate
- Er.. obrigada - Peguei o bombom, muito sem graça.
- Desculpa, às vezes sou assim mesmo. Não tenho que me meter na sua vida. Você trata as pessoas como deve achar melhor.
- Mas eu não te tratei mal por querer, é que...
- Não importa. - Colocou o bombom inteiro na boca - Nossa, adoro esse chocolate!
Eu ri da forma que ele comia e falava ao mesmo tempo, parecia uma criança!
- Obrigada.
- Pelo chocolate? Foi só 50 centavos!
- Não falei disso, bobão.
- Do quê falava então, bobona?
- Das palavras, da atenção, da sinceridade.
- Ah, que isso. Eu fui com a sua cara. De graça. - E riu, de novo, com aquela cara de criança.
Viramos uma esquina e chegamos ao ponto final.
- É, chegamos no meu ponto.
- Então.. É aqui que nos despedimos, certo?
- Acho que sim.
Esperei que ele dissesse mais algo ou tentasse, sei lá, me beijar, abraçar ou algo do tipo.
Mas não. Ele só apertou minha mão e disse:
- Foi um prazer, Luna. Nos vemos por aí.
- O prazer foi todo meu.
Ele deu um sorriso. Dessa vez sem mostrar os dentes. Ficamos nos olhando uns segundos.
- Você não quer meu telef...
Ele não me ouviu, virou e saiu andando.
Talvez ele tivesse ouvido, mas sabia que ainda não era tempo. Não para tentar algo. Sim, não era meu tempo. E ele sabia disso. Eu deveria saber disso.
Entrei no meu ônibus me sentindo bem menos pior. Me sentia mulher, me sentia segura de verdade. Fazia tempo que não sentia isso. Soltei o cabelo, tirei o óculos. Foi bom ver o mundo de novo sem me sentir um lixo. Alguém poderia gostar de mim. Sim. E eu poderia gostar de alguém de novo. Fosse o Diogo ou qualquer outro.

domingo, 1 de março de 2009

Busco.

Chega uma hora que algumas coisas cansam. É, não sei o que acontece, mas cansa. Acho que o que mais cansa na vida é esperar. O 'pode ser', o 'quem sabe', o 'um dia será'. O fato é que não tenho paciência, muito menos estômago. Quero tudo na hora que decido, quero sempre e do meu jeito. Se eu fosse diferente talvez não me cansaria de esperar. E talvez não me cansasse das coisas, ou das pessoas. Talvez pareça duro, ou insensível, mas é. Eu me canso das pessoas. Eu me canso das mesma atitudes tomadas por elas, dos mesmos sentimentos que elas me causam, da mesmisse das palavras faladas ou não. Até mesmo de escrever, criar, acho que já cansei. Cansa ser criativa, assim como cansa manter personagens. Cansa até mesmo criar formas alternativas de não cansar da vida. Mas agora, o problema está em quem? Em mim, que sou exigente demais com as pessoas, com a vida e até comigo mesma? Nas as pessoas à minha volta que não conseguem me impressionar por muito tempo? Na criação que tive, que sempre me levou à busca por coisas novas, aventuras e desafios? Queria achar uma resposta, talvez ajudasse em alguma coisa - ou não -. Sei que muita gente vai ter uma outra visão de Lisa quando ler isso, mas até eu mesma estou me descobrindo nesse texto. Não sou essa menininha boa que todos acham. Sou tão chata, infantil, insensível e egocêntrica quanto qualquer filha caçula mimada pelo pai. Não me orgulho disso, mas também não acho a pior coisa do mundo. Acho que os conflitos que tenho comigo mesma por conta disso são muito maiores que os conflitos interpessoais que tenha tido até hoje. Segundo Quintana, viver a vida plenamente no o dia-a-dia jamais cansa. Mas quem consegue viver assim? Não é possível que tenha uma alma-viva que possa dizer que viveu um dia em sua total plenitude. Até porque, na minha opinião um dia só não seria possível pra vivê-lo com toda a intensidade que um ser-humano precisa. E não é só o fator tempo que influi, tem que ser um lugar perfeito, com a pessoa ou as pessoas ideais, num momento adequado. E até isso seria chato, pelo menos pra mim. Tudo que é certinho, que segue um curso perfeito demais é um saco. Gosto quando as coisas dão certo quando tem tudo pra não dar. É bom desafiar o Destino, a vida ou qualquer outra força regente que haja contra nossos desejos. É, isso não cansa. A busca por algo, alguém ou alguma coisa tão almejada por nós. Sim, buscar não cansa. Porque sempre se renova, sempre aparecem obstáculos no caminho, você perde força, ganha ânimo. Cai, se levanta, tenta de novo e cada vez com um desejo, com uma gana maior. E eu espero que eu consiga viver assim: em busca. Mesmo que eu não saiba bem o quê estou buscando. Porque o objeto já não passa de um motivo pra que essa busca fique mais interessante. Buscar é o destino. E que eu morra buscando, e não encontre nunca, que é pra vida não perder o sentido.